segunda-feira, 30 de abril de 2012

Redescobrindo Valores


            Era dezembro de 1995. Eu tinha uns 10 anos de idade. Passamos o ano inteiro pedindo ao nosso pai e sonhando com elas. Vários amigos já tinham. E quando acordamos na manhã de natal lá estavam elas: duas lindas bicicletas paradas no meio da sala. Eram bem maiores do que as que já tínhamos. Não eram as melhores do mercado, mas eram ótimas. Além disso, já não acreditávamos mais em papai Noel e sabíamos que nosso pai tinha se esforçado muito para comprá-las.

            Então logo decidimos: a preta seria do meu irmão mais velho e a branca com detalhes vermelhos seria a minha. Mal podíamos esperar para sair com elas e dar uma volta. Tornaram-se nossas principais companheiras. Passeávamos na rua da frente, na praça do bairro, no clube aos domingos e se viajássemos elas iam junto.  Sempre sobre o olhar atento da nossa mãe que jamais nos deixava sair sozinhos. Todo final de semana um banho com muita água e sabão para tirar a sujeira. Se pudéssemos dormiríamos com elas. Naquela época bicicleta ainda era um dos brinquedos mais queridos de uma criança. O videogame e a internet ainda não tinham invadido os lares. Não havia tantas crianças obesas e muito menos depressivas.

            Mas o tempo foi passando. A nossa idade mudou e com ela os interesses e desejos. O tempo para brincadeira foi diminuindo. Marcas mais modernas apareceram no mercado e a pergunta nas nossas mentes: por que andar de bicicleta se podemos dirigir um carro? Começaram então a enferrujar. As peças danificadas não eram mais repostas. Até que foram encostadas. Aquilo que já fora um sonho caiu no esquecimento. Só voltaram a ser lembradas quando as vendemos para comprar simples pares de chinelos que estavam na moda: algo bem menos importante.

            Situações semelhantes acontecem muitas vezes nas nossas vidas. E pior: no lugar das bicicletas estão momentos, lugares, objetos que deveriam ter valor sentimental e até pessoas como esposas, filhos, pais e amigos. Às vezes conquistamos ou ganhamos algo que sempre sonhamos e/ou lutamos, mas com o tempo o sonho passa a ser uma realidade sem graça. Talvez a casa ficou pequena e confusa, o sorriso da esposa não tem o mesmo brilho, não há mais a expectativa do retorno do companheiro(a) após um dia de trabalho, a saúde e as notas boas dos filhos são comuns ou apenas obrigação, o almoço em família foi esquecido, boas lembranças não tocam mais o coração, aniversários e novos cortes de cabelo ou roupas passam despercebidos. E falando particularmente aos jovens, valoriza-se muito mais sair e virar noites com pseudo-amigos do que passar mais tempo com a família, cativar as verdadeiras amizades e ler um bom livro.

            O mesmo tempo que mês fez abandonar as bicicletas, me ensinou a valorizar o que mais importa. Principalmente as pessoas que mais amo. Pois as que mais amamos, às vezes se tornam as mais desvalorizadas. Procuro oferecer felicidade ao invés de apenas obter. E como bom cristão evangélico, valorizo cada vez mais a Palavra de Deus e a Sua Casa.

            A todo o momento surge algo novo que nos tira atenção do que realmente é importante, do que nunca deveria deixar de ser tratado como novidade É difícil dizer por que o que deveria ser mais valorizado está sendo trocado por coisas efêmeras e sem importância. Talvez isso faça parte da chamada “inversão de valores”. Mas tudo seria melhor se percebêssemos que o simples pão que vai à mesa diariamente é uma dádiva. Não troque que é mais importante na sua vida por um simples par de chinelos da moda.

Escrito por André Falcão Ferreira
Publicado no Jornal O DIA em 19/03/2011