quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Materno



            Era motivo de muito orgulho e satisfação para o meu pai, afinal ele estava realizando um sonho de infância colocando o seu primogênito para estudar no colégio mais tradicional da cidade.  
Meu irmão mais velho tinha apenas 12 anos quando começou a fazer a quinta série do antigo ginásio, no Diocesano. Em 1995, a situação econômica do país começava a se estabilizar, e a queda da inflação, anteriormente gigantesca, fez com que os preços caíssem bastante, facilitando o acesso a bens e serviços até então restritos a uma menor parcela da população. Essa conjuntura, somada ao fato de que meu pai sempre trabalhou e estudou muito para se tornar um competente engenheiro e ter uma condição financeira digna, proporcionaram o ingresso do Lucas na respeitável instituição de ensino.
Tínhamos carro na garagem, mas estava na hora de o garoto ser tratado como homem, por isso meu pai, que na sua infância andava pelas ruas da capital vendendo comida para ajudar a sustentar sua família, decidiu enviá-lo de ônibus para escola, com a anuência preocupada da minha mãe, sempre vigilante. Naquele tempo não se ouvia falar de assalto, e sequestro era coisa de filmes. A violência não nos aterrorizava como hoje. Além disso, grande parte das famílias procedia igualmente.
Numa tarde comum daquele ano eu estava em casa quando o telefone tocou. Minha mãe atendeu e logo começou a ficar demasiadamente tensa. Do outro lado da linha alguém lhe contou que o seu filho tinha sido vítima de um atropelamento. Não me lembro ao certo se ela conseguiu contatar a escola. De qualquer forma, isso não seria o suficiente para aplacar a sua profunda aflição. Por isso pegou o carro e para lá se deslocou imediatamente. A coordenadora prontamente desmentiu a informação e tratou de acalmá-la: o menino estava bem. Porém, quem já tivera a dádiva de carregar uma vida em seu ventre não se acalmaria enquanto não visse a sua cria com os próprios olhos. E nem mesmo isto bastou. Ela pediu permissão à diretoria, e o levou para casa.
Os dois voltaram abraçados, e minha mãe, mais tranquila, ainda lagrimejava. Meu irmão, assim como eu, não tinha maturidade suficiente para entender. Achou um tanto exagerado, mas pelo menos ganhou uma tarde pra brincar em casa. E que tarde inesquecível. Hoje esse episódio nos faz entender, principalmente a mim que já sou pai, por que Deus compara seu amor ao de uma mãe, e o que significou a morte do seu amado filho.

Na época até especulamos de quem seria a autoria da maldade, contudo deixamos pra lá. Não importa! O Lucas está mais vivo do que nunca e ainda pode abraçar nossos pais. Não guardamos mágoa. O ato vil apenas nos deu uma grande lição de amor materno. 

Artigo escrito por André Falcão Ferreira
e publicado no Jornal O DIA, de Teresina-PI, em maio de 2017 

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