segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O preço de uma vida

           

                   Estava lendo sobre a construção da Usina Hidroelétrica de Belos Montes. A obra que custará bilhões enfrenta o grande desafio de prejudicar as vidas de milhares de pessoas com seus impactos socioambientais para beneficiar outras dezenas de milhões com o desenvolvimento econômico.
            A nossa Constituição Federal, no seu art. 5º, coloca a vida como direito inviolável. E no inciso XLVII proíbe a pena de morte, mas abre uma exceção: “salvo em caso de guerra declarada”. Dessa forma, fica clara a prioridade dada à proteção dos nossos compatriotas. Mas será que existem vidas mais importantes do que outras?
            No art. 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pelas Nações Unidas, é assegurado a todos o direito à vida. Mas, sem dúvida, a lógica humana admite o sacrifício de alguns, mesmo que muitos, em benefício da maioria. E esse pretexto tem sido usado por vários líderes destas nações para promoverem verdadeiros genocídios. Foi assim tanto em Hiroshima e Nagasaki como no Iraque.
            Verdadeiras fortunas são gastas no resgate de pessoas em perigo em todo o mundo. E muitas vezes várias vidas são arriscadas para salvar alguém que talvez nem esteja mais vivo. Na Líbia aconteceu o contrário: milhares se arriscaram para promover a morte de um. E conseguiram. As cenas da execução de Muamar Kadafi foram transmitidas para o mundo inteiro num espetáculo dantesco.
            Há poucos dias, na cidade onde trabalho, um jovem pediu um real a um senhor que passava. Ao receber a resposta negativa, desferiu três fulminantes golpes de faca naquele senhor que teve morte instantânea. Talvez mais banal e estúpido do que isso sejam os usuários de drogas, lícitas ou não, que constroem estatísticas como a do cigarro que, segundo a Organização Mundial de Saúde, mata uma pessoa a cada seis minutos. Semelhante são os suicídios, que crescem de forma alarmante e nos fazem empreender esforços na tentativa de encontrar sentido para nossa própria existência e não incorrermos no mesmo erro.
A vida não é apenas um direito individual. É um bem da sociedade. Cada vez que uma é tirada não é apenas o direito daquela pessoa que está sendo vilipendiado, mas de toda a sociedade. Por isso o esforço às vezes aparentemente inútil para salvar um só. Por isso valem à pena as manifestações contra um dos atos mais covardes que existem, o aborto. Por isso os protestos contra a impunidade no caso da estudante que foi cruelmente arremessada de um prédio em Teresina. Protestos que, entretanto, contrastam com a nossa omissão diante dos inúmeros sequestros, assassinatos e estupros que ocorrem diariamente, inclusive com crianças. Quando a vítima é um pobre a indignação parece ser menor. Na verdade, estamos cada vez mais perdendo a noção do valor da vida. Estamos nos acostumando com a crueldade humana e banalização da morte. Quem deve morrer primeiro? Existem vidas mais importantes?
Contrariando a lógica humana, Jesus Cristo, diante da necessidade de salvar toda a humanidade, não sacrificou ninguém. Antes, entregou a si mesmo. Uma atitude singular, já que não é tão surpreendente alguém se dar por um inocente ou um justo. Ele, porém, se entregou até mesmo pelos mais vis pecadores. Isto sim é um exemplo de valorização da vida. Com certeza o maior de todos: não colocar a sua própria vida em primeiro lugar, mas a de outrem.


Artigo escrito por André Falcão Ferreira

Publicado no Jornal O DIA em 31/10/2011

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